25.10.06

Francisco Brasileiro

A noite já esteve prisioneira
Hoje unirei estes gomos de bambu, lacrando-os com resina e cera, para os entregar ao rio de águas grandes e profundas.
Rezarei.
Invocarei toda a força, toda a magia da prece, para que as águas escuras, que rolam silenciosamente, se compenetrem da responsabilidade que neste momento lhes confio, e, transportando estes gomos, para terras distantes, os depositem nas mãos daquele, que, sem o saber, sempre esteve à sua espera.
Rezarei.
E que esse, ao ler a historia que neles vai encerrada, possa sentir-se atingido por sua misteriosa e profunda finalidade, e, com a respiração suspensa, a pele arrepiada, o coração a pulsar com estranho ritmo, perceba que não pode ficar à margem de seu próprio destino e venha, venha depressa à minha procura.
Porque também eu posso fracassar na empreitada em que me atiro...e é preciso que essa missão continue.
A noite já esteve assim prisioneira dentro da casca de um côco, breado com resina. A leviandade de alguém libertou-a e ela se esparramou pelo mundo, apagando o contorno das coisas, confundindo as sombras...Desabrochou-se em trevas.
Abrindo estes gomos de bambu, tendes a luz! Iluminai os quatro cantos do mundo! Espancai as trevas! Aqui tendes a vida! Vivei!

Trecho do livro "O Escolhido" de Francisco Brasileiro, outro gênio da cultura brasileira, assim como Câmara Cascudo.